25 maio, 2007

João

Em Petrópolis, não podia deixar de tirar uma foto ao lado de D.Pedro II. Coisa de turista...
Parece que a cidade acorda tarde, talvez pelos 15 ºC naquela manhã. Não estava vendo ninguém na rua, até que avistei um senhor sentado no banco da praça. Aproximei, na intenção de que ele conseguisse um bom ângulo para a foto esperada: eu e D.Pedro...meu amigão!
Mal respondendo meu bom dia, aquele senhor, que olhava fixamente para a estátua do imperador, começou a falar que estavam faltando dedos nas mãos da estátua. Perfeito momento para se ligar o gravador...


Senhor: Ali, olha, cadê o dedo ali? Um, dois três, quatro dedos. Tem que ter cinco dedos...
Lorena: É porque um está escondido ali, olha, dentro do livro.

Senhor: Não, não. [Mesmo sugerindo que o dedo indicador estivesse dentro do livro, o qual D. Pedro segurava, o senhor continuou com um ar de indignação, repetindo que estava faltando um dedo.] Ali na boca também, olha, está faltando.

Lorena: Ah, sim, parece que está faltando mesmo.
Resolvi seguir o famoso ditado, e não contrariar...
Senhor: Ali, olha, pode contar.
Já que propôs a idéia, convidei para que nos aproximássemos da estátua e contássemos os dedos. E uma entrevista não pode falar o principal, quase que ia me esquecendo...

Lorena: Qual o nome do senhor?
Senhor: João.

Lorena: João, o senhor mora aqui há muito tempo?
João: Sim, moro aqui tem muitos anos.
Não se mostra nem um pouco interessado nas minhas perguntas clichês. Os dedos de D. Pedro o incomodam...e ele persiste...
João: Olha aí, um, dois, três, quatro...está faltando.

Lorena: Mas, seu João, está dentro do livro.
João: Não, e eu custei a reparar isso...
João não consegue ver que o dedo está dentro do livro, e continua a falar da falta deste como se fosse uma grande descoberta.

Lorena: O senhor não quer me contar um pouco da história de Petrópolis não, já que mora aqui há muito tempo?
João: Fundamentalmente eu na sei não. Você não é daqui não, é?

Lorena: Não, sou de BH.
João: E onde é que é isso?

Lorena: Belo horizonte é a capital de Minas Gerais.
João: Ah, eu sou mineiro também. Mas sou criado aqui.

Lorena: O senhor nasceu onde lá?
João: Eu nasci lá em, em...Juiz de Fora. Mas aí é o seguinte, eu não entendo muito do movimento do começo de Petrópolis. Isso é pra uma pessoa que talvez nasceu aqui mesmo né...que foi criado aí, foi constituído dentro de Petrópolis para te falar...Eu vim pra cá com dezesseis anos.

Lorena: Tem quanto tempo que o senhor está aqui?
João: Eu to aqui desde...[Sr. João pensa durante alguns instantes] 1946.

Lorena: Então, já tem 60 anos?
João: Tem mais, tem mais o 7...estamos em 2007.

Lorena: Ah, sim, 61 anos.
João: Não, é 77 anos.
Conta estranha...

Lorena: 77 anos que o senhor está aqui?
João: Não, 67 anos. [Decidi não tentar confirmar mais; certamente mais um número diferente dos anteriores surgiria].Eu sou um cara que pode ser considerado cria da terra. Filho da terra né, porque eu fui praticamente criado aqui.
Praticamente? 67 anos...

Lorena: E a cidade sempre foi bonita assim, esta tranqüilidade?
João: Acha a cidade bonita?

Lorena: Acho, demais, tudo muito limpo, pessoas muito educadas.
João: Ah, é, aqui em Petrópolis é lugar mais, é, muito melhor de viver, de clima né, de ter boa saúde, limpeza...

Lorena: O único problema é o frio não é?
João: Mas isso é que dá saúde. A pessoa come bem, dorme bem, faz tudo bem, é ou não é? Faz tudo né, de acordo com o frio. Mas tem um problema, a vida aqui é muito cara.Aqui pobre pena, sofre, porque aqui é cidade turista, cidade de rico. Só gente de alta classe. Agora, São Paulo também é.

Lorena: Já morou em São Paulo?
João: Já, seis, cinco anos. Dentro da capital mesmo.

Lorena: Bastante diferente daqui, não é?
João: O clima de São Paulo é igual daqui, mesma coisa.

Lorena: Eu nunca estive em São Paulo não.
João: Ah, São Paulo é uma beleza.

Lorena: Eu tenho a impressão de que lá é um confusão, só chuva e engarrafamentos...
João: Não, São Paulo é identificada ao Rio de Janeiro. É igual ao Rio de Janeiro. Bonito assim, igual o Rio de Janeiro. Mas, na época que eu morei lá, era um lugar muito educativo, muito de respeito, todos respeitavam a pessoa bacana pra caramba [Lugar educativo? Não entendi...] mas, com o passar do tempo, veio as épocas né, modificando a capital. Capital agora ta um problema, ta pior que o Rio. De vez em quando eu vou lá em São Paulo, tem parente lá em Diadema, mas eu tenho medo de ir lá.

Lorena: Uai, por quê?
João: Uma vez quase fui roubado dentro do metrô. Sabe o que eu fiz? Tinha três caras assim, um olhando pro outro, aí eu fiquei de olho, mudei de vagão. Então, aquele tempo que eu morei lá era uma beleza. Parava assim numa esquina qualquer, vinha aqueles guardas né, aqueles guardas tudo cheio de revólver, de capacete, e perguntava, o que você está fazendo aí? É do interesse do senhor? Dá vontade de falar com eles né...

Lorena: E o senhor trabalha com o quê?
João: Padaria, padeiro. Não, agora eu sou aposentado! Nesse tempo eu era garoto novo, tinha vinte anos, agora estou com setenta e quatro.

Lorena: E depois de padeiro o senhor trabalhou com o quê?
João: Ah, aí eu vim trabalhar de motorista. Entregador de coisas né.

Lorena: Foi motorista por muito tempo?
João: Ah, três anos, quatro, depois fiquei desempregado, sai fora né, e depois foi difícil arrumar depois, daí eu comprei um carro pra mim, falo? Deixa eu ir lá que eu tenho que..
Sr. João ficou apressado, de uma hora para outra. Não o deixei ir sem a foto...

Lorena: Posso tirar uma foto do senhor aqui do lado de D. Pedro?
João: Ai, ai meu Deus.
Apresentou certa resistência no começo. Mas nada que elogiar seu terno não resolvesse. Arrumou a gola da camisa, e começaram as poses.

João: Eu vou pra minha igreja aqui agora, porque hoje é dia de Santa Ceia. Prazer em falar contigo e dar essa entrevista. Capricha no meu retrato lá.

Tentei até pegar o endereço do Sr. João para enviar uma foto, mas ele, desconfiado, não quis passar, respondendo que era para eu ficar com a foto de lembrança.
Por fim, acabei ficando sem minha foto ao lado de D. Pedro II. Sr. João disse que não sabia tirar fotos...

Um comentário:

Ricardo Montero disse...

Eu adorei as foto... E o personagem. O dedo está dentro do livro, sim!!!

Quem faz isso?

  • Lorena Nicácio, 20 - Estudante de Física e Fotógrafa de eventos sociais
  • Samuel Lima,35 - Fotógrafo da "S2 Produções Foto & Vídeo"